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Pesadelo

Ela estava no banho. Ele chegou irado, abrindo a porta do banheiro, furioso, com ódio no olhar, dizendo a ela que ela tinha pedido, que não parava de pedir. Ela não tinha pedido, mas ele empurrou pra ela o que ela não tinha pedido, mesmo assim. Ela tentava explicar que não queria. Ele não ouvia. Muitas pessoas vieram ver a cena. Ela estava ali, desnuda, querendo ser ouvida. Não foi. Estava sendo julgada. Foram todos para a sala, ela já vestida. Tentou falar e ele a agrediu com um tapa, empurrões. Foram agressões físicas mas que de fato não tinham doído no corpo. Mas doeram. Ela saiu da sala. Foi para o quarto. Estava ferida. Voltou para a sala dizedo que faria uma denúncia. Ele fugiu. Outra pessoa pediu a ela que não o denunciasse, tadinho, estava nervoso e sempre foi tão bom com ela. Ter sido bom com ela não o autorizava a machucá-la, disse ela. Ela acordou chorando. Tinha sido um pesadelo, mas tinha significado demais.

Se joga, mas não te ocupa demais com isso

Estava ali, entregue, disposta a tentar de novo, empolgada como uma criança que sabe nadar e que quer dar um lindo salto de um trampolim para a piscina, mas não aprendeu ainda. O salto não deu certo. De novo. Foi gostoso o impulso, a queda, mas foi como cair de barriga. E ficou uma dorzinha chata depois. Como boa tutora de mim mesma que tenho tentado me tornar… aconselhei à própria criancinha empolgada que vive dentro de mim. Vai treinando, querida. Quem sabe em outra piscina, no rio, no mar. Talvez de outro trampolim. Em algum momento o salto dá certo. Vai se divertindo enquanto ensaia. E te ocupa com outras coisas.

Confusa

Já não queria mais misturar sexo e amizade. Tudo fica muito confuso quando se fundem. Afinal, o que seria a amizade se não uma forma de amar? Difícil não embananar tudo.

Alívio

Aí foi difícil e desafiador admitir pra ela mesma que ele tinha sido uma pessoa importante na vida dela. E foi um alívio contar isso pra ele. Acolhendo tudo que foi, a vida seguiu.

A criança que queria morar no samba

Eu tinha uns 9 anos de idade e estávamos em uma rápida passagem pela praia. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão dois anos e meio mais novo. Eu não me lembro muito bem de detalhes, só recordo que, de uma forma geral, as coisas não iam bem no núcleo familiar naquele momento. Era tardinha, tínhamos passado o dia na beira do mar, o clima estava pesado, apesar das férias. Caminhávamos no calçadão quando ouvi o som que vinha de um quiosque. Nos aproximamos. Uma roda de samba. A minha vontade era de morar ali, naquela cadência, com aquele batuque, em volta daquela roda. Já não me pesava mais o climão, o meu mundo estava mais leve. Trinta anos depois, eu enfrentava o maior desafio da vida. Eu estava mais tensa do que nunca. Não lembrei desse momento na praia. Mas criei uma playlist com as músicas que eu mais gosto. Ela me salvou da tristeza muitas vezes e eu consegui me conectar com a alegria de novo. Eu ainda não moro no samba, mas visito sempre que posso.

Sem volta

Demorou, mas Agora que constatei que sempre tento voltar Pra lugares que não existem mais E dar uma nova chance Ao que já teve possibilidade de ser bom pra mim Mas não foi Ou que foi bom, mas já passou, já teve seu tempo Não volto mais

Estávamos ali

Eles estavam ali Os dois Que um dia eu quis Eu estava lá Onde eles estavam Onde já estive com eles Eu também estava lá Não por eles Outras pessoas me levaram até lá Não fazia mais sentido Nem fugir Nem procurar E eles estavam lá Estávamos ali E eu não me movi por eles